As histórias do Condomínio Feliz Cidade

Dias atrás coloquei na rede um blog chamado "Condomínio Feliz Cidade", na realidade uma pequena novela com 20 capítulos, ou minicontos, nos quais o narrador, por coincidência também chamado Carlos, conta alguns aspectos de sua vida num desses edifícios tão comuns nas grandes, médias e até minúsculas cidades - Serra Negra, onde vivo, tem 27 mil habitantes e dezenas de edifícios.


Sempre gostei de ler, assistir e ouvir histórias, e de uns anos para cá passei a contá-las, em contos curtos, 50 deles reunidos num e-book que lancei, "O Riso Frouxo do Homem Insignificante" ( download aqui ), e num outro blog, Contos do Motta.


O "Condomínio" é minha primeira tentativa de escrever algo mais longo, mas não tão longo que possa entediar o leitor. 

Os capítulos, ou historietas, podem ainda ser interpretados como fragmentos de um diário escrito pelo narrador.

São simples, como os textos que gosto de ler.

Até ingênuos, nestes tristes dias em que perversidades são praticadas impune e institucionalmente.

Mas foram escritos com alegria e um sentimento misto de fé e esperança no ser humano.

O primeiro capítulo vai a seguir, na íntegra:

O silêncio vale ouro

Recebi a notícia do Zé, porteiro da manhã, logo que ia saindo para trabalhar - deixo meu carro estacionado na rua mesmo e alugo a vaga da garagem, pois assim reforço o orçamento, o Uno ninguém vai querer roubar de tão velho que é:

- Dona Marta quer falar com o senhor.


Antes que perguntem, eu respondo: Dona Marta é a síndica do prédio. Viúva, mandona, mas nunca me incomodou. O que será que ela quer? Olhei para o relógio e vi que dava tempo para uma conversa:


- Liga pra ela, Zé.


O Zé é meio esquisito, calado, mal dá bom dia para os moradores, mas é de confiança. Dizem que tem uma filha doente que cria sozinho - a mulher largou dele já faz uns dez anos. Isso, porém, é outra história.


- Dona Marta, tudo bem? Estou à sua disposição.


E ela me conta que havia recebido uma queixa - não disse de quem - sobre eu ter feito barulho, sei lá, como se estivesse martelando alguma coisa, no domingo - claro que o condomínio não permite isso. Achei estranho. A única coisa diferente que fiz no domingo foi pensar seriamente em arranjar outro emprego. Será que pensei alto demais?


Para não encompridar a conversa, pedi desculpas, falei que estava mesmo pregando um quadro da Norinha na parede (a Norinha é a minha filha, tenho um casal, o menino a gente chama de Beto), quase me convenci da mentira, dona Marta até que foi gentil, me passou um sermão leve e me desejou bom dia.


No caminho para o trabalho lembrei que o tal barulho bem que poderia ter sido obra do Beto - ele é o tipo de garoto capaz de surpreender a gente.


Mas confesso que não escutei nada.


Nem o Beto seria capaz de ferir a modorra de um domingo.

Comentários

  1. Baixei o arquivo pdf, e ja li todo o Condominio Feliz Cidade. É leitura agradável, e bem escrita. Particularmente, gosto das crônicas do dia a dia. Os personagens são senssassionais, e sempre nos ensinam muito da vida.Quantos enrroscos já tive com "Dna.Marta". Recentemente fiquei chateado , quando soube que demitiram o Jaguar do Jornal O Dia. Assim como você, cronista é presença indispensável na midia.Grato, pelo presente.

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  2. Errata: a grafia correta é "sensacionais". Na hora arrisquei e me dei mal.

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