O lugar de Arlindo Cruz


Carlos Motta

Um show no Credicard Hall, em São Paulo, reunindo uma turma boa de samba, presta hoje uma homenagem ao aniversário de 60 anos daquele que, pela sua extensa e consistente obra, talvez seja o maior compositor popular brasileiro vivo - Arlindo Cruz.

Se essa homenagem é mais que merecida e motivo de alegria, o fato de o artista estar acamado há um ano e meio, vítima de um forte AVC, e portanto impossibilitado de cantar, tocar cavaquinho e banjo e compor, funções que exercia com a maestria dos seres tocados pela genialidade, nos dá o que pensar.

Primeiro, o ocorrido nos deixa certos do quanto somos frágeis e sujeitos toda espécie de acidentes. Viver é muito perigoso, já dizia Guimarães Rosa pela boca de seu imortal personagem Riobaldo.

Fora isso, há que se lastimar a má sorte deste imenso e desgraçado país, de tão poucos sábios e tantos ignorantes, de tão escassos criadores e tantos imitadores, de tão raros artistas e tantas celebridades instantâneas.

Não era para Arlindo Cruz estar fora do bom combate.

 Uma batalha tão feroz como essa entre o belo, o perene, o sentimento de que o homem é mais do que barro, e as excrescências que nos são impostas pelos magnatas mercadores de lixo intelectual, exige um general com a autoridade, competência e sensibilidade do artista que compôs, junto com Mauro Diniz, outro craque, uma música chamada "Meu Lugar", um retrato mais que poético, realista, do verdadeiro Brasil.

O meu lugar
É caminho de Ogum e Iansã
Lá tem samba até de manhã
Uma ginga em cada andar
O meu lugar
É cercado de luta e suor
Esperança num mundo melhor
E cerveja pra comemorar
O meu lugar
Tem seus mitos e seres de luz
É bem perto de Osvaldo Cruz,
Cascadura, Vaz Lobo e Irajá
O meu lugar
É sorriso é paz e prazer
O seu nome é doce dizer
Madureir, lá laiá, Madureira, lá laiá
Ahh que lugar
A saudade me faz relembrar
Os amores que eu tive por lá
É difícil esquecer
Doce lugar
Que é eterno no meu coração
E aos poetas traz inspiração
Pra cantar e escrever
Ai meu lugar
Quem não viu Tia Eulália dançar
Vó Maria o terreiro benzer
E ainda tem jongo à luz do luar
Ai que lugar
Tem mil coisas pra gente dizer
O difícil é saber terminar
Madureira, lá laiá, Madureira, lá laiá, Madureira
Em cada esquina um pagode num bar
Em Madureira
Império e Portela também são de lá
Em Madureira
E no Mercadão você pode comprar
Por uma pechincha você vai levar
Um dengo, um sonho pra quem quer sonhar
Em Madureira
E quem se habilita até pode chegar
Tem jogo de lona, caipira e bilhar
Buraco, sueca pro tempo passar
Em Madureira
E uma fezinha até posso fazer
No grupo dezena, centena e milhar
Pelos sete lados eu vou te cercar
Em Madureira
E lalalaiala laia la la ia
Em Madureira

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