Airto Moreira lança seu novo disco em turnê no Brasil


O percussionista Airto Moreira, figura emblemática da música brasileira, há décadas radicados nos Estados Unidos, onde gravou e tocou com craques como Miles Davis, Herbie Hancock e Chick Corea, entre dezenas de outros, fará turnê no Brasil, neste mês de dezembro, para lançar o seu novo disco, "Aluê", pelo selo Sesc.

O show de lançamento será nesta quinta-feira, dia 7, às 21 horas, no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, onde ele também se apresentará nos dias 8, sexta-feira (21 horas), 9, sábado (21 horas), e domingo (18 horas). Depois, ele fará apresentações no Sesc de Ribeirão Preto (dia 15, às 20h30) e de Registro (dia 17, às 18 horas).

Apesar de sua trajetória profissional de mais de 50 anos, esta é a primeira vez que Airto Moreira grava um disco de sua autoria no Brasil. "Aluê" é uma revisão de grandes momentos de sua carreira, no qual ele retoma e relê composições que evocam o seu universo sonoro, seja ele jazzístico, elétrico, pop ou experimental. O álbum conta com participações de grandes instrumentistas, como Carlos Ezequiel, José Neto, Sizão Machado, Vítor Alcântara, Fabio Leandro, Diana Purim e Krishna Booker.

Airto Moreira esteve presente em discos que redefiniram as fronteiras da música, como "Bitches Brew" (1970), de Miles Davis, e em eventos fundamentais da música brasileira, como o Quarteto Novo - do qual fez parte junto com Heraldo do Monte, Hermeto Pascoal e Theo de Barros - acompanhando Edu Lobo e Marília Medalha em "Ponteio", vencedora do III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967. 

O texto a seguir foi escrito por Charles Gavin especialmente para a turnê brasileira do músico:

“Airto Moreira inventou a percussão de luxo, o acabamento, o requinte, o toque final. E foi ele também quem abriu as portas dos estúdios dos Estados Unidos para nós, percussionistas brasileiros. Foi o pioneiro, e muita gente seguiu esse caminho, inclusive eu” – disse-me numa entrevista para O Som do Vinil o também internacional Chico Batera. É interessante e oportuno que essa afirmação tenha vindo espontaneamente de outro grande artista, reconhecendo o que Airto Moreira tem feito por nossa música desde quando saiu do Brasil, em 1967.

Refletindo sobre essa declaração, a primeira lembrança que surge é "Bitches Brew" (1970), o emblemático álbum de Miles Davis. Em seguida, outros nomes vão surgindo: "Stone Flower" (1970), de Antônio Carlos Jobim; "Prelude" (1972), de Eumir Deodato; "Return to Forever" (1972), de Chick Corea; "Borboletta" (1974), de Santana; "Native Dancer" (1974), de Wayne Shorter & Milton Nascimento, e tantos outros. Mas diria que essa é apenas uma das inúmeras faces da força criadora deste gênio da nossa música que por uma série de razões (algumas absurdas) nunca havia gravado um disco solo no Brasil – até agora.

"Aluê", seu primeiro trabalho após "Live in Berkeley", de 2012, foi registrado num estúdio localizado numa fazenda, na paisagem verde do interior de São Paulo. Apoiado e construído com um time de grandes músicos (Carlos Ezequiel, José Neto, Sizão Machado, Vítor Alcântara, Fabio Leandro, Diana Purim e Krishna Booker), "Aluê" se apresenta como uma revisão inteligente e necessária de grandes momentos da carreira de Airto Moreira, retomando e relendo composições que evocam seu portentoso universo sonoro.

Não se trata apenas de seus ritmos, síncopes, cadências, diálogos, melodias, frases, gritos e texturas – mas também do que sua música disse e continua dizendo nos tempos estranhos em que vivemos, nos quais não podemos mais ignorar os avisos que o planeta envia a cada momento. De várias formas, essa mensagem sempre esteve na música desse catarinense, nascido em 1941 na pequena e charmosa Itaiópolis. A cada audição, "Aluê" nos traz lembranças, ressignificando experiências e emoções – algo como pegar uma canoa e atirar-se rio abaixo, enfrentando corredeiras rápidas e quedas perigosas, que se alternam com as águas mais calmas e límpidas cobertas por copas de árvores centenárias em meio à Mata Atlântica. É fato que a Mãe Terra sempre esteve presente na obra de Airto, sempre se manifestou nela inspirando seu sound design, sua marca registrada. 
Coincidência ou não, é resgatada de "Natural Feelings" (1970), seu primeiro disco solo, a composição que dá nome ao álbum que o Selo Sesc acertadamente lança agora.

 Ao longo da carreira, a sonoridade de Airto Moreira foi se modificando, tornando-se ora mais jazzística, ora mais elétrica, às vezes mais pop, outras mais experimental, mas sempre conectada aos sons da nossa terra, magistralmente interpretados e recriados em shows e gravações: onde quer que estivesse tocando, Airto levava o Brasil junto.

Na verdade, tem sido assim desde os tempos do excepcional Quarteto Novo – quem não se lembra do grupo acompanhando Edu Lobo e Marília Medalha em Ponteio, a canção vitoriosa defendida na final histórica do III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967? E quem também não se recorda de seu único LP, lançado no mesmo ano? A composição "Misturada" (que está em "Aluê"), assim como as outras faixas do disco, investiu em timbres e arranjos que resultaram numa ambiência, num som de sertão nordestino. Em meio às violas, violões e flautas, a percussão inovadora e extremamente brasileira revelou ao público um artista diferente daquele fenomenal baterista do Sambalanço Trio e do Sambrasa Trio, ícones do samba jazz. Pouco tempo depois, o Quarteto Novo desfez-se e Airto rumou para os Estados Unidos, a fim de reencontrar o amor de sua vida, Flora Purim. Esse foi o passo decisivo para que sua carreira decolasse.

Airto Moreira participou de inúmeros álbuns e concertos de grandes nomes do jazz, colocando neles sua assinatura artística. Não tardou muito para que sua discografia solo se estabelecesse – trabalhos antológicos foram produzidos, como os clássicos "Seeds on the Ground" (1971), "Free" (1972), "Fingers" (1973), "Virgin Land" (1974), "Identity" (1975) e muito outros. Temos ainda os discos "I’m Fine, How Are You?" (1977) e mais à frente "The Sun Is Out" (1989), dos quais as faixas "I’m Fine, How Are You?" e "Lua Flora" foram respectivamente extraídas e recriadas para "Aluê".

Neste disco de 2017 reencontro o grande mestre a que assisti ao vivo pela primeira vez, em outubro de 1994, apresentando-se com Flora Purim a seu lado no clube de jazz londrino Ronnie Scott’s, num show arrebatador em que o público não permitia que saíssem do palco. Foi uma noite que nunca mais esqueci…

"Aluê" é um trabalho muito bem arquitetado pelo produtor e baterista Carlos Ezequiel, com as faixas registradas ao vivo em um único take. Os cantos – lindos – em dueto com a filha, Diana Purim, mostram a capacidade vocal deste homem de 75 anos. Sua interação com o grupo, formado pelas feras mencionadas, impressiona: soa coesa, energética e desafiadora. As performances têm dinâmicas e arranjos diferentes dentro de cada tema e devem ser apreciadas com calma e concentração, exatamente como costumávamos ouvir discos décadas atrás.

O CD reúne, como dito, peças importantes da obra de Airto Moreira, mas vai além, trazendo três excelentes composições novas: "Rosa Negra", "Não Sei pra Onde", mas Vai" e "Guarany". Vibro muito ao constatar que a música que ele faz hoje conserva as mesmas características, o mesmo poder que tinha no início da carreira – o universo sonoro do qual falei está onipresente neste trabalho. Abra as portas da percepção…

Registro aqui nossa gratidão a todos que participaram deste incrível projeto. E claro, o maior agradecimento é para a força da natureza em si: Airto Moreira. Obrigado por tudo, meu amigo. Mas olha só: queremos mais, ok?"

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