O chorinho, ou o que o Brasil tem de melhor


Carlos Motta


O Brasil que deu certo está por toda a parte, só não vê - ou ouve - quem não quer.

Está nas ruas das cidades, nas escolas, nas praças, nos teatros, nos palcos mambembes, nos salões da elite, nos botecos pés sujos, está em qualquer lugar onde caibam algumas pessoas - em mínimos metros quadrados os representantes desse Brasil que deu certo são capazes de mostrar o seu imenso talento.

O que seria do Brasil sem a força desse povo que canta, toca, compõe, sem pensar em grandes recompensas, a não ser o prazer de espalhar a sua arte, de receber em troca dela aplausos muitas vezes entusiasmados?

A música popular brasileira é o maior tesouro que este imenso país possui.


Os americanos são bons nesse campo, não há dúvida, são os campeões mundiais de audiência, espalham com orgulho seu rock, seu country, seu blues, seu jazz, suas baladas - e a gente os admira, os respeita, porque eles merecem toda a reverência.

Mas nós, os humildes brasileiros, estamos no jogo - e não só para competir.

A bossa nova invadiu o campo adversário com suas harmonias sofisticadas, melodias comoventes e intérpretes maravilhosos.

E depois veio o samba, o pai inconteste da bossa nova, símbolo maior da união nacional - em que lugar deste enorme país não se toca, não se dança e não se canta o samba?

E os músicos do mundo todo foram se encantando com a música brasileira, descobrindo joias que aqui são tão pouco reveladas.

Caso do choro, ou chorinho, como queiram, o mais antigo gênero musical brasileiro, que teve adeptos e criadores geniais, como Ernesto Nazareth, Zequinha de Abreu, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Severino Araújo, Altamiro Carrilho - e dezenas de outros mais.

O choro é hoje estudado, tocado e reverenciado na Europa, nas Américas, na Ásia, em todo o planeta.

O instrumentista brasileiro é aplaudido pelas plateias mais exigentes.

E, incrível, aqui mesmo, o país que a cada dia se torna mais e mais uma colônia do grande irmão do Norte, que recebe diariamente toneladas e toneladas do mais tóxico lixo cultural, o choro - como o samba e outros ritmos mais regionais - cresce, amplia a sua audiência, mostra caras novas, talentos indiscutíveis.

É o caso do grupo Desenhando o Choro, muito atuante na região das cidades paulistas de Amparo e Bragança Paulista, que acaba de lançar o seu segundo CD, "Nosso Momento".

O Desenhando é composto pelo flautista Fefê Corradini, violonista Rafael Schimidt, cavaquinista Jairo Ribeiro e pandeirista Paulinho Marciano.

Como no seu primeiro CD, "Desenhando!", todas as composições são de autoria ou dos componentes do grupo, principalmente de Rafael Schimidt, ou de músicos amigos.

As músicas continuam a tradição das melodias sofisticadas dos choros de antigamente, a interpretação é de alto nível, e a produção do novo disco, feita com "muito sacrifício", como diz Fefê Corradini, é simples, porém profissional e eficiente - afinal, do que mais precisa a boa música além de bons intérpretes?

E os músicos do Desenhando são ótimos, tão bons que um deles, o violonista Rafael Schimidt, vai aos poucos consolidando uma carreira solo que já chamou a atenção de bambas do instrumento, como o hoje internacional Yamandu Costa, com quem ele já dividiu o palco.

Rafael tem um trunfo a mais na sua curta, mas profícua carreira: é um compositor de mão cheia, autor de mais de 80 músicas.

Neste último CD do grupo, ele assina 9 das 10 faixas, algumas em parceria com Rafael Beck, um jovem flautista já considerado um fenômeno da música brasileira, e com o consagrado violonista Douglas Lora.

Num país de economia arrasada, crise política sem precedentes e instituições em farrapos, é alentador saber que ao menos a sua música não só resiste, mas amplia sua influência na cultura, agregando cada vez mais talentos indiscutíveis de uma geração que não se acomoda em fórmulas antigas e bem-sucedidas, mas que busca sempre se aperfeiçoar tecnicamente e experimentar novos enfoques, novos caminhos.

O novo trabalho do Desenhando reflete essa alegria de se fazer bem algo de que se gosta. Seu título, "Nosso Momento", diz tudo. 

(O vídeo abaixo mostra um trecho da apresentação do grupo na praça central de Serra Negra, interior paulista, no dia 13 de outubro de 2017. A música é "Dudu Me Arrasei", de Rafael Schimidt)



Comentários

  1. A Musica Brasileira, que acompanho desde criança, me emociona. O Brasil tem musicos impensáveis, inimagináveis, em todas as áreas. Compositores, letristas, arranjadores e instrumentistas. Competência e beleza a toda prova. Infelizmente parece que o mundo, no momento, não valoriza musica. O que dizer para nossos sensacionais artistas nesse momento? Não sei. Por falar em chôro, confesso que as vezes choro.

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  2. Ops! Esqueci dos cantores! Meu Deus do Céu. Que cabeça!

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