Livro mostra um Marquês de Sade sem sadismo


Cinco textos do Marquês de Sade (1740-1814) compõem mais um lançamento da Editora Carambaia. “Novelas Trágicas” está em pré-venda com 10% de desconto. Inéditas no país, as histórias são destituídas das descrições de atos sexuais e torturas, típicas nos outros escritos do autor. Sade produziu as novelas entre 1787 e 1788, em um dos períodos em que esteve encarcerado na prisão da Bastilha. 

Ao que tudo indica, Sade escreveu essas novelas em busca de reconhecimento literário e para tentar convencer seus leitores de que não era o autor de livros obscenos que circulavam clandestinamente e sem assinatura. O projeto de narrar histórias “contidas nas regras do pudor e da decência” rendeu dezenas de novelas, das quais 11 foram publicadas  em 1799, com o título de "Crimes do Amor: Novelas Heroicas e Trágicas". Cinco desses textos compõem o volume, além do ensaio que Sade escreveu sobre a história e as características do gênero romance, prefácio ao conjunto original.


Selecionados e traduzidos pelo professor de literatura André Luiz Barros, também autor do prefácio, os textos mostram um outro Sade, em narrativas que - ao menos aparentemente - buscam exaltar a virtude e condenar a perfídia. Ainda assim, os pilares da "filosofia" sadiana continuam presentes nessas histórias: a racionalidade fria e precisa do crime, a execução metódica do desejo, as elucubrações vazias da religião, as ilusões patéticas que alimentam a ideia de virtude. 

A leitura das "Novelas Trágicas" mostra que Sade cumpriu os requisitos que elegeu como obrigações dramáticas do romance, sobretudo compor “personagens vigorosos que, joguetes e vítimas daquela efervescência do coração conhecida com o nome de amor, nos mostram dele, de uma só vez, os perigos e os infortúnios”. Na alma e na ação dos personagens, contudo, esconde-se o mesmo escritor subversivo e cruel das páginas libertinas. O “divino marquês”, como o chamavam os surrealistas, recheou seus “contos de amor” de violência física e psicológica, incesto, cativeiro e assassinatos covardes, entre outras atrocidades. 

Donatien Alphonse François de Sade passou quase metade de seus 74 anos de vida encarcerado sob acusação de promover orgias, praticar abusos sexuais e provocar danos físicos. Só assinou duas obras durante a vida – além de "Crimes do Amor", o romance epistolar "Aline e Valcour" (1795). O período de cinco anos que passou na Bastilha terminou em 1789, poucos dias antes de o presídio ser invadido pelos revolucionários. 

Sade, que via na queda da monarquia a possibilidade de surgimento de uma época de liberdade irrestrita, se engajou na nova ordem, mas seria preso de novo durante o período do Terror. Mais tarde, também o regime de Napoleão o jogaria na cadeia. Durante o século XIX, a obra e a pessoa de Sade foram submetidas ao esquecimento forçado, embora manuscritos clandestinos circulassem por mãos célebres como as de Stendhal e Flaubert. Somente no século XX a literatura de Sade voltou à luz, atraindo o interesse de pensadores como Georges Bataille, Theodor Adorno e Simone de Beauvoir.


Luciana Facchini assina o projeto gráfico de "Novelas Trágicas", que traz ilustrações de Zansky e propõe um jogo que remete às atitudes dissimuladas dos personagens e aos disfarces do próprio autor. O livro vem inserido numa luva que funciona como uma máscara: quando sobreposta aos desenhos, tanto das capas como internos, revela traços escondidos nas ilustrações.

A Editora Carambaia trabalha com obras que dificilmente serão esquecidas no futuro. Procura "furos" literários, textos que merecem uma nova ou inédita edição no Brasil, e busca tradutores e designers que desenvolvam um projeto especial para cada uma delas.

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