O Coelho, o Chocolate, e a delação combinada



O saudoso sociólogo Antonio Geraldo de Campos Coelho, meu tipo inesquecível da Jundiaí de minha juventude, tinha o costume de apelidar todo mundo.

Eu era o Nero, não sei bem por qual motivo.

Havia ainda o Homem Palha, o Peixe Galo, e tantos outros que a memória apagou.

De dois, porém, me lembro bem: Chocolate e Estilingue, companheiros inseparáveis da extinta Convergência Socialista, hoje o nefando PSTU.

Coelho era um anticomunista ferrenho, mas também um intelectual e, sobretudo, um gozador.


Chocolate e Estilingue, que tinham sonhos revolucionários - vivíamos em plena ditadura militar -, eram vítimas constantes de sua ironia.

Para quem não entendia o porquê do apelido "Chocolate", o Coelho sinteticamente explicava:

- É que, se um dia ele for preso e ameaçarem tirar o chocolate dele, ele confessa até que incendiou Roma. Não vai ser preciso usar tortura...

Não me recordo do motivo do Estilingue ser o Estilingue.

Talvez o fato de ele ser magérrimo e ter pernas compridas fizesse o Coelho achá-lo parecido com a perigosíssima arma que usávamos em nossa infância para atingir os mais variados alvos.

O Coelho e o Chocolate já não estão neste mundo.

Não sei por onde anda o Estilingue.

Sei apenas que eles foram personagens importantes num período de minha vida, um período difícil para todos os brasileiros, mas no qual, ao contrário de hoje, pessoas tão diferentes entre si podiam conviver harmoniosamente, e até mesmo se divertir com a diversidade de suas opiniões.

Eram outros tempos.

Hoje, quando a tortura é aplicada sob formas variadas pelos próprios agentes públicos que deveriam combatê-la, talvez o chiste do Coelho sobre o limite de resistência do Chocolate não fizesse sentido. 

Afinal, para quê privar uma pessoa de seu alimento preferido, se seus captores podem obter dela o que quiserem simplesmente livrando-a da prisão se ela falar em juízo aquilo que eles lhe ordenam? (Carlos Motta)

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