Manchetes nada exemplares


Os jornais usam as notícias com interesses próprios desde que existem. Alguns disfarçam, outros nem se dão a esse trabalho. Como, em 101% dos casos, as grandes empresas jornalísticas do país são de famílias que fazem parte da mais fina flor de nossa elite, nada mais natural que defendam, com tudo o que podem, a sua classe.

De tempos em tempos, chegam a extrapolar nesse zelo. Este período do governo Lula é um bom exemplo. Época de eleição é outra em que a artilharia fica mais pesada que o normal. E as manchetes se superam.

Em 1986, o milionário Antonio Ermírio de Moraes alugou o PTB e resolveu ser candidato ao governo do Estado de São Paulo. Os jornalões estenderam tapetes vermelhos. Ermírio foi se entusiasmando à medida em que as pesquisas eleitorais – sempre elas! – mostravam que ele, não só era um candidato viável, mas tinha chances reais de vitória.

Até que recebeu o apoio de alguns dissidentes do PMDB que não engoliam o candidato do partido, Orestes Quércia. O mais notório entre eles era Fernando Henrique Cardoso. E, por incrível que pareça, a partir daí começou a virada. Quércia subia, Ermírio caía.

O Estadão, entusiasmado defensor do “capitão da indústria”que aparecia em público com um terno mal ajambrado e caspa nos ombros, um Jânio Quadros inarticulado, resolveu, como última e desesperada cartada, dar sua própria interpretação a uma das derradeiras pesquisas, que indicava vitória de lavada de Quércia.

Foi aí que a sua primeira página, sempre louvada como exemplar, abriu a manchete “Indecisos podem dar vitória a Ermírio”.

Para infelicidade de toda a sua diretoria, os indecisos não fizeram o que tinham de fazer e Quércia faturou a eleição. Ermírio voltou aos seus inúmeros negócios e até hoje lamenta a sova.

Três anos depois, o Brasil assistia à sua primeira eleição direta para a presidência. Os candidatos davam para formar um time inteiro de futebol – titulares e banco de reservas.

Entre eles estava o pouco conhecido Guilherme Afif Domingos com seu eterno discurso sobre a necessidade de um Estado mínimo e redução de impostos (para os ricos, claro). O Estadão embarcou na causa, talvez influenciado pelo bordão do candidato: “Juntos chegaremos lá!”

O problema é que a disputa foi se reduzindo aos nomes de Collor, Lula e Brizola. Afif não saía do pelotão dos nanicos.

Até que uma pesquisa mostrou uma leve, pequena, quase imperceptível mexida nos números. O jornal aproveitou e brindou os seus leitores com a manchete “Afif cresce e chega a 9%”.

Como se sabe, Afif cresceu tanto, mas tanto, que acabou em sexto lugar.

(Carlos Motta)

(Publicado originalmente no blog Crônicas do Motta em 13/11/2008)

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