Dívida Ativa da União e sonegação: tubarões, ratos, fantasmas, patos e formigas


Até julho de 2015, 12.547 empresas brasileiras eram responsáveis por uma dívida tributária de R$723,38 bilhões. Levando em conta que o país possui cerca de 13 milhões de empresas registradas, menos de 0,1% delas responderiam por mais de 62% de todo estoque tributário da Dívida Ativa da União (DAU), que fechou o ano passado em R$1,162 trilhão.

Um observador menos atento, ou ingênuo, pode supor que os valores estratosféricos de créditos tributários inscritos na DAU, assim como a sonegação anual estimada em 10% do Produto Interno Bruto (PIB) que deve ultrapassar os R$500 bilhões em 2016, conforme indica o painel Sonegômetro, justificam-se pela autodefesa daqueles que dizem não aguentar mais pagar o pato.

Ora, ainda que pareça óbvio concluir quem acaba pagando a conta, vale conhecer, além dos patos, outros seres que compõem a fauna e o imaginário da injustiça fiscal Brasileira.

Tubarões – eles reinam absolutos no topo da cadeia alimentar/tributária, independente do cenário político-econômico. Uns são banqueiros, outros, grandes industriais, latifundiários e rentistas de fino trato. Alguns até se aventuram na política, mas a maioria apenas “investe” em políticos e bancadas de alta liquidez. Quando surgem nos noticiários econômicos, os tubarões costumam ser apresentados como “vítimas” de um sistema que pune a livre iniciativa dos predadores naturais na economia brasileira. Em prantos, denunciam que uma maré vermelha pode leva-los à extinção, e por isso sentem-se pressionados a investir sua insaciável voracidade empreendedora em outros mares. Mas, tão logo recebem benefícios fiscais e refinanciamentos tributários a perder de vista, voltam a proclamar sua paixão pelo Brasil das oportunidades infinitas para peixes grandes e capitalistas selvagens. A carga tributária sobre os rendimentos de um tubarão raramente ultrapassa os 10% ao ano 4, enquanto para um peixe pequeno, semelhante a qualquer cidadão comum, supera os 36% de sua renda anual.

Ratos – o que dizer de seres tão repugnantes, para quem o caos é o melhor dos mundos? Rato que se preze pratica a filosofia do quanto pior, melhor. Outro fato chocante é que, hoje em dia, mesmo os ratos mais asquerosos sequer fazem questão de se esconder. Aliás, a maioria deles anda muito bem vestida, de terno ou tailleur. Especialistas em sobrevivência, topam qualquer negócio para se dar bem, seja nos subterrâneos do crime ou nas altas rodas da política.

Fantasmas – especialistas em paranormalidade definem fantasmas como entidades desencarnadas, habitantes de uma dimensão paralela à nossa, mas que volta e meia nos visitam, deixando rastros enigmáticos que desafiam a percepção existencial dos mais incrédulos materialistas. Senão, como explicar pessoas físicas e jurídicas que ninguém vê, mas que ao mesmo tempo respondem por grandes fortunas, offshores, e até assinam por instituições que transformam a boa fé do povo em dinheiro, sem pagar um centavo de tributos por isso? Avessos a holofotes, fantasmas atravessam paredes e fronteiras com facilidade espantosa. Somente a uns poucos vivos, muito vivos por sinal, é dada a capacidade de interagir e fazer negócios com essas criaturas sinistras.

Patos – belas aves migratórias que às vezes admiramos em bando pelo céu ou em bucólicas lagoas públicas de grandes cidades. Porém, na mesa do brasileiro, o pato é iguaria para poucos. Mesmo no Pará, um pato ao tucupi e tacacá sai os olhos da cara. E nem vale falar no polêmico “foie gras”, que além do preparo cruel e do nó na língua na hora de pedir ao garçom, costuma vir acompanhado de uma conta bastante indigesta. Enfim, pato sai tão caro que até a elite empresarial do país faz campanha nacional gastando milhões, dizendo a plenos pulmões que “não vai pagar”, nem que seja um prosaico pato com laranja. Hum, laranja...

Formigas – ah, as incansáveis formiguinhas! Síntese do cidadão brasileiro, a formiga carrega nas costas o peso da irresponsabilidade fiscal de nossos governantes, da corrupção desenfreada e da sonegação dos ricos e poderosos. Por exemplo, uma formiga operária que ganha até 2 salários mínimos, chega a trabalhar quatro meses só para pagar impostos. Tudo bem que existem formigas com asas, que se acham diferentonas das demais operárias, só porque podem voar (algumas já foram vistas até na Disney). Mas, o ingrato destino parece ignorar a hierarquia do formigueiro. Mesmo as que consomem açúcar refinado, batem panelas e fazem coro com a elite em passeatas, por fim serão engolidas como suas irmãs trabalhadoras, seja por um tamanduá bandeira, por um reles pardal suburbano ou, acidentalmente pisoteadas por um pato desvalido. Francamente, não importa quantos bichos, insetos ou fantasmas surjam nesse enredo absurdo, pois nossa crua realidade supera qualquer fantasia. Por fim, como sempre na história desse país, são os mais pobres e a classe média, bem como a grande maioria de empresários que lutam diuturnamente para sobreviver dentro da legalidade, que pagam a conta da sonegação, da corrupção e da esquizofrenia fiscal no Brasil.

Portanto, nunca é demais refletir sobre as seguintes questões:

1 – O país vive em estagflação (recessão com inflação), com as contas da União deterioradas

2 – O governo que foi reeleito com a promessa de manter os avanços sociais, estranhamente optou por um ajuste fiscal baseado em corte dos já minguados e malfeitos investimentos públicos, no aumento da carga tributária sobre o consumo e na agiotagem institucionalizada, travestida de política monetária, com juros que só beneficiam bancos e rentistas. Nem assim conseguiu se manter. E nem vamos aqui discutir se houve ou não um golpe para o afastamento da presidenta.

3 – Um novo governo, provisório e improvisado, chegou trazendo um plano de salvação nacional denominado “Uma ponte para o futuro”. Até agora, esse projeto não passa de uma carta de intenções vagas, pois não há nenhum detalhamento técnico ou sequer indicações razoáveis de soluções efetivas para a recuperação econômica e o equilíbrio fiscal do país.

4 – Disputas políticas à parte, o fato é que se ao menos 10% dos tributos inscritos na DAU fossem recuperados, não seria necessário o malfadado ajuste fiscal, que na prática se traduz em aumento de impostos e retrocesso econômico.

5 – A reforma tributária, que inadiavelmente deve ser construída em conjunto com a reforma política, é o meio único para que o Brasil encontre seu caminho de nação com Justiça Fiscal. Isso implica obediência ao princípio constitucional da Capacidade Contributiva, onde quem ganha mais pague mais e quem ganha menos pague menos. A aplicabilidade dessa regulação passa diretamente pela redução de impostos sobre o consumo, que pune os mais pobres e a classe média, e pode ser plenamente compensada numa distribuição de custos tributários que de fato alcancem quem deve e tem como pagar mais.

6 - A PGFN, órgão que tem por missão constitucional recuperar todos os créditos tributários e não-tributários inscritos na DAU e que somam mais de R$1,5 trilhão, encontra-se sucateada. E os Procuradores da Fazenda Nacional, advogados públicos concursados, que atuam nessas cobranças judiciais e extrajudiciais, trabalham em número insuficiente de pessoal, com sobrecarga de processos, sem carreira de apoio e utilizando mecanismos de informática ultrapassados.

7 - A despeito de todo esse descaso histórico dos governos, os Procuradores da Fazenda Nacional seguem desenvolvendo o trabalho sério e independente para o qual foram aprovados em concurso público, comprometidos com a recuperação do patrimônio que é do povo brasileiro. Somente nos últimos quatro anos, a ação eficiente dos PFNs resultou na recuperação direta superior a R$76 bi e evitou a perda de R$500 bilhões contra os cofres públicos. Incrível é saber que o próprio governo reconhece que para cada um real investido na PGFN há um retorno de R$800 reais. Mas, ao que parece, é melhor não incomodar a doce vida dos que vivem no topo da cadeia alimentar tributária.

Enfim, vivemos o pesadelo de um país incapaz de se impor sobre os grandes grupos de poder, que efetivamente ditam os rumos da política e da economia. Se a indignação é o primeiro sinal de alerta para o cidadão, o segundo tem que ser o da informação qualificada, para que o passo seguinte seja uma ação de mudança, de exigir nas ruas, escolas, universidades e nas urnas uma atitude definitiva de reforma tributária e combate à sonegação.

A Campanha Nacional da Justiça Fiscal, criada pelo SINPROFAZ, tem por objetivo de contribuir para a construção de um sistema fiscal e tributário socialmente justo, que seja efetivamente republicano, simplificado, mas tecnicamente viável, que respeite o princípio constitucional da Capacidade Contributiva, combata a sonegação e os privilégios daqueles que sempre se locupletaram das benesses do poder.

Enquanto essa realidade não mudar, somente nós, as formigas, continuaremos pagando a conta de quem deve, não nega e faz questão de dizer que não paga, simplesmente porque não tem nada a temer.

Comentários

  1. A propósito, não devemos nos esquecer do Macaco Prego. Aquele animal exibicionista e safado, que adora ser o chefe da macacada(quando não está roubando banana).

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