Apostas, cochilos e esquemas: a dura vida dos jornalistas


Dezoito anos de trabalho numa redação como a do Estadão de antigamente, com mais de 400 profissionais - número que, com o passar do tempo se reduziu drasticamente - foram mais que suficientes para observar a variedade de tipos que existem em nossa sociedade. Afinal, jornalistas não diferem das pessoas normais, embora muitos deles se achem superiores, integrantes de uma casta privilegiada.

A memória ainda guarda inúmeras histórias, vários episódios, que revelam o caráter dessa turma - para o bem e para o mal.

Os jornalistas de hoje, tão execrados por uma parcela da população por sua adesão incondicional aos interesses patronais, não diferem muito dos de antigamente. Talvez, se a gente for pensar mais no assunto, eles sejam simplesmente frutos das gerações anteriores, incorporando os mesmos defeitos e as mesmas virtudes dos seus antecessores.

As historinhas que conto dos meus tempos de jornalista - foram, se não me engano, 43 anos passados em diversas redações -, se não são exemplares, no sentido de indicar modelos de comportamento execráveis ou, ao contrário, louváveis, servem ao menos para humanizar esses profissionais que exercem, neste nosso mundo tão complexo, uma atividade importante, se não, essencial para o progresso da civilização.

Sem mais, vamos a mais três delas.


Aposta


O celebrado editor de internacional se encaminha em direção à porta de saída da redação, mas resolve trocar umas palavas com seu colega de outra editoria.

Os dois conversam amenidades, até que o hoje astro jornalístico global observa a bonita repórter indo embora.

E, sem mais, desafia o colega:

- Vamos apostar quem come a ........ primeiro?



Cochilo dominical


Plantão de domingo. 

Edição quase fechada.

O secretário gráfico, ex-revisor, profissional atento e competente, liga da oficina:

- Olha, tem um problema numa nota da coluna da ..... 

Checo.

É verdade, não dá para sair daquele jeito.

O pessoal então me fala que a colunista costuma passar os fins de semana em sua fazenda. 

Acho o telefone. Ligo. Atende uma mulher. Me identifico e pergunto pela colunista:

- Olha, ela está dormindo. Não tem como acordá-la.

Peço então que, assim que ela despertar, ligue para o jornal. Assunto sério. 

Já é noite quando um colega me avisa que a colunista está no telefone, perguntando o que houve com o seu material.

Peço para dizer a ela que não precisa mais se preocupar. 

No dia seguinte, a coluna saiu sem a nota problemática.


Esquemas


Deveria ser a terceira ligação da tesouraria.

- Olha, estamos tentando falar com o .... para acertar umas notas fiscais de despesas das últimas viagens dele. Está tudo atrasado, desse jeito não vai dar para aprovar as contas.

Assim que o nosso personagem chega, vou falar com ele:

- Ligaram da tesouraria, estão putos com você por causa de umas notas que você ficou de entregar e não entregou.

Ele nem se abalou:

- Sem problema. Lido com esses caras há uns 15 anos. Passo lá amanhã e entrego o que eles querem. Tenho meus esquemas. Esses caras pensam que eu pago as minhas contas só com o meu salário?

Em minha defesa, que dei uma risada de sua sinceridade: ele, profissional antigo na casa, respeitado por todos os de sua área, não era nem contratado formalmente, tinha até de arranjar patrocínio para bancar suas viagens a trabalho. 

Cada um se vira como pode.

(Carlos Motta)

Comentários

  1. Tem chefeta de editorialistas que manda vir buchada de bode de certo estado nordestino tudo pago pelo Ex Estadão vindo de avião.

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