A cantora e compositora Gabi Buarque acaba de lançar um novo CD, "Mar de Gente”, condições sociais impostas pela pandemia do covid-19. Ou seja: sem show no teatro nem o abraço dos amigos.
“É preciso desprendimento para lançar um disco em meio a uma pandemia. Mas foi justamente pensando neste momento delicado e no meu público, responsável pela realização desse projeto, que resolvi colocar as canções no mundo, vibrando luta e arte - quiçá cura, pra nós que estamos doentes de Brasil”, diz ela.
Este é o seu terceiro disco. Gabi canta, compõe, toca violão e gosta conceituar as suas criações. Assim nasceu a capa do álbum, pensada em parceria com Marina Sereno, que fala das águas por meio de texturas da pele humana, de diversas etnias.
E se o mar vem em preto e branco nas poéticas imagens, feitas pela DuHarte Fotografia, cada uma das 13 faixas arranjadas por Luis Barcelos, ostenta uma paleta de cores. “O CD vem como as ondas do mar, num crescente, prezando por uma diversidade rítmica e de temas. Não falo só sobre amor, não canto só samba”, explica a artista carioca.
“Mar de Gente” abre com “Samba Rezadeiro”, de Gabi e Roberto Didio, como que pedindo licença para adentrar nessas águas sagradas do cancioneiro popular. Mostra a força ancestral, do violão que já foi tronco de cativeiro.
Depois é a vez da balada pop folk “É”, parceria com Socorro Lira, fácil de aprender, boa de cantar junto e realista com charme.
Em seguida, a correnteza traz “Se cesse”, também em parceria com Socorro Lira, com versos de “O Amor”, de Fernando Pessoa, uma cantiga de um amor que não pode ser expressado.
“A Voz do Vento”, só de Gabi, é emaranhada em saudade e desejo. “Luzia Luzia” , parceria com Marina Sereno, é um xote apaixonado, enfeitado pelo acordeão de Kiko Horta.
Já o samba de roda “Morena do Mar”, com participação da parceira Silvia Duffrayer, integrante do Samba que Elas Querem, poderia ter nascido no quintal de Tia Ciata ou nas rodas do Recôncavo Baiano, onde Gabi buscou inspiração para fazer essa homenagem a Iemanjá.
“Gente é pedra”, outra parceria com Socorro Lira, flerta com Elomar, enquanto “Pulso aberto” é um poema de Maria Rezende sobre o que é ser mulher no seu íntimo plural.
Em “Os muros”, novamente com Socorro Lira, Gabi abraça, entre outros, Nelson Mandela, Clarice Lispector, Oscar Wilde, Frida Kahlo, Violeta Parra e Fernando Pessoa, para enfrentar os seus temores, antes de entrar na “Concha”, parceria com Angélica Duarte, em dueto com Áurea Martins, tendo Cristóvão Bastos no piano.
“Pensei imediatamente em convidar a Áurea para gravar comigo, quando fiz ‘Concha’, com letra melancólica da Angélica. O nome de Cristóvão veio logo depois de um papo com Áurea, porque ela já queria incluir esse samba-canção no repertório do show deles. Cristóvão gravou em cinco minutos, de primeira, e fico impressionada toda vez que ouço pela delicadeza a escolha das notas. Sou muito fã desses dois baobás da música brasileira”, diz ela.
“Quantos”, só de Gabi, outra balada pop, foi feita pensando no período da ditadura e no negacionismo que retorna com força nos tempos atuais. “De que vale a morte dos que lutam / Se o passado não diz nada pra você?”, questiona a letra. “Quantas voltas o mundo dá / Pra voltar ao tempo de esquecer?”, pergunta, repetidas vezes.
O disco segue com “Penha”, dedicada ao bairro do subúrbio carioca, onde houve uma das rodas de choro mais fundamentais do século, mas, na canção, aparece como símbolo de resistência e fé. Antes de cantar, Gabi cita uma frase do filósofo Eduardo Marinho. E ainda ecoando esse coletivo, Gabi lidera um sexteto vocal poderoso para fazer a derradeira. Nina Wirtti, Mariana Baltar, Thais Macedo, Áurea Martins e Silvia Duffrayer cantam com firmeza essa faixa-título.
O samba-manifesto “Mar de Gente”, também só de Gabi, foi inspirado nas lutas diárias a favor da democracia e dedicado a autoras negras, como Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus e Maria Firmino dos Reis.
“Este samba também procura dar voz a todas e todos que foram silenciados pelo Estado. Essa luta é nossa. Somos um mar de gente”, defende Gabi Buarque. E os versos ficam entoando ao fundo: “E quem não viu há de ver / O outro lado da história vencer / A verdade não tarda a nascer / Nossa luta vai prevalecer”.
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