O escritor e roteirista Ricardo Ramos Filho (foto) convive com uma trágica coincidência: seu pai, o também escritor Ricardo Ramos, e seu avô, Graciliano Ramos, um dos maiores autores brasileiros, morreram num dia 20 de março, o primeiro há 26 anos, e o segundo, há 65 anos. Além de romances, Graciliano também era conhecido por ser cronista, contista e político. Foi preso durante o governo Getúlio Vargas, em 1953, acusado de subversão, experiência retratada no livro "Memórias do Cárcere", publicado pela viúva Heloísa Ramos.
O neto Ricardo Filho, que se tornou pesquisador da obra graciliana e da literatura infanto-juvenil, não chegou a conhecer o avô, mas as influências marcaram a vida dele desde a infância. Nessa família, o livro interligou as gerações. “Pela literatura, me aproximava do meu pai [...] me explicava a melhor forma de escrever e enxugar o texto”.
Ricardo Ramos Filho revela que "Vidas Secas", obra de 1938, que conta a história de retirantes nordestinos castigados pela seca, representa até hoje 80% dos direitos autorais que a família recebe. “Acho uma obra extraordinária”, mas ele diz preferir outros romances. Confira, a seguir, a entrevista que ele deu à Agência Brasil:
Agência Brasil: Como pesquisador da obra de Graciliano Ramos, qual o segredo da atualidade dos livros dele?
Ricardo Ramos Filho: O segredo é a verdade com que Graciliano escreveu, a maneira como ele enxerga o país, como retrata as pessoas. Nesse sentido, fica tudo muito atual. Infelizmente, 80 anos depois, a gente ainda encontra muitos Fabianos, Sinhás Vitória, Baleias [a cachorra], meninos mais novos, meninos mais velhos [sem nome] no nosso país.
Agência Brasil: Vidas Secas, além de aclamado, é um cânone da nossa literatura. Podemos dizer que para conhecer a alma de Graciliano é preciso ler esse livro?
Ricardo Ramos Filho: Sem dúvida. Vou dar um dado que eu tenho e nem todo mundo tem: se a gente for verificar o direito autoral da obra de Graciliano, é o livro mais relevante. Graciliano tem quatro romances [pela ordem de publicação]: Caetés, São Bernardo, Angústia e Vidas Secas, além de dois livros de memórias, como Infância e Memórias do Cárcere. Há livros infantis também, é uma obra muito vasta. Vidas Secas arrecada para família pelo menos 80% do total dos direitos autorais da obra dele. E todo o restante vale no máximo 20%. Vidas Secas é adotado por muitos vestibulares, o que ajuda a incentivar as vendas. Eu, particularmente, não acho que seja o mais definitivo. Nasceu da união de alguns contos. Mas não tem, para mim, como leitor, a mesma força de São Bernardo e Angústia, embora eu goste muito. Vidas Secas não foi escrito para ser romance. Mas é um romance extraordinário. Tenho certeza de que quem entrar em contato com esse livro terá acesso ao melhor da obra de Graciliano.
Agência Brasil: Pode falar sobre as características mais relevantes, em sua opinião, nessas obras? Tanto como pesquisador quanto como neto?
Ricardo Ramos Filho: Graciliano publicou, em 1933, Caetés [o primeiro romance]; em 1934, São Bernardo, e em 1936, Angústia. São obras narradas em primeira pessoa com uma estrutura de romance. A experiência prisional fez com que ele mudasse o perfil. Quando foi solto, precisava transformar o que ele escrevia em dinheiro. Ele precisava vender. Participar de concursos para sustentar a família. Ele estava desempregado.
Agência Brasil: Apesar de não ser uma pergunta simples, poderia dizer de que forma Graciliano influenciou seu pai, e de que forma seu avô e seu pai fizeram a diferença para o senhor?
Ricardo Ramos Filho: É uma pergunta necessária. Eu não conheci meu avô. Ele morreu um ano antes de eu nascer. Graciliano influenciou mais diretamente meu pai. Quando Graciliano foi preso, meu pai, que estava em idade escolar, ficou em Maceió, e não foi para o Rio de Janeiro. Foi um contato tardio entre eles. Depois dos 14 anos, eles conversavam bastante sobre literatura. E essas conversas chegaram a mim por meu pai. Ele falava sobre o texto ter frases curtas, sem gerúndios ou adjetivos, do que seria um “um bom texto” a ser lido. Conselhos fundamentais como a ideia de que um texto precisa ser lido e relido para enxugar e retirar os excessos.
Agência Brasil: Para o senhor essa influência foi desde muito novo?
Ricardo Ramos Filho: Eu tive uma intermediação muito competente do meu pai. Muita gente me diz: “Meu filho não lê. O que eu faço?” Eu sempre repito: “Você lê?” ou “Teu filho te vê lendo?” Se o pai não lê, teu filho não vai ler. Uma coisa muito gostosa eram nossas conversas sobre as leituras que meu pai nos recomendava. A literatura foi sempre um canal de aproximação com meu pai. Ele, que não era uma pessoa tão acessível, sempre gostava de conversar sobre livros. Era um cara que trabalhava muito e chegava tarde em casa.
Agência Brasil: O senhor teve filhos?
Ricardo Ramos Filho: Não, mas meu enteado me via lendo e era interessante como ele imitava quando era bem pequeno. Até com o livro de ponta-cabeça, mas era o gesto.
Agência Brasil: E essa influência para o senhor na escrita?
Ricardo Ramos Filho: Eu cresci na minha casa no meio da ditadura. Tudo isso fez com que me colocasse criticamente em relação a tudo o que vi. Sou de 1954 e toda a minha juventude foi durante o regime militar. A gente se emocionava com tudo o que criticava a ditadura. Por isso, a obra de Graciliano fica muito atual.
Agência Brasil: E atualmente, como o senhor vê a literatura?
Ricardo Ramos Filho: O romance brasileiro tem trazido gente muito boa. Tem muita gente escrevendo romances de extrema qualidade. São tantos: Milton Hatoum, Marcelino Freire, Sheila Smanioto, Victor Heringer [morreu aos 29 anos]... Tem muita gente boa.
Precisamos reconhecer, que tem muito juiz americano diante de um impasse processual, advindo de uma questão transcedental: "o que é mais correto fazer? Peidar ou escarrar em cima da Constituição Brasileira? Eis a questão.
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