O romance será lançado dia 10, às 19 horas, no Salão de Exposição Cultural, no Centro de Guaratinguetá, interior de São Paulo, onde vive o autor. No dia 12, o lançamento será durante a Balada Literária, no B_arco Centro Cultural, em São Paulo (Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, n°426, Pinheiros).
O protagonista do romance é Quim, jovem formado em letras que revisa artigos e escreve uma coluna sobre literatura no jornal de uma pequena cidade, não nomeada, mas inspirada em Guaratinguetá. Casado com a artista plástica Madalena, é pai da pequena Selene. Apaixonado por livros, Quim é um escritor frustrado, que abandonou as tentativas de rabiscar sonetos e um romance imaginado mas nunca iniciado ainda na adolescência.
Sua única família sempre foi seu pai, com quem diz gostar de passar o tempo, e parece mesmo ansiar por isso. Os dois foram abandonados pela mãe, de quem Quim diz não ter rancor. Mas Quim nos diz muitas coisas no papel. Seus devaneios enquanto escreve nos falam outras. Nessa narrativa dentro da narrativa, formada pelos pensamentos que por vezes conflitam com os escritos, surge em determinado momento do diário o questionamento: “Agora me responda uma coisa: se não te aflige uma doença pulmonar nem qualquer outra doença; se a merreca que gasta com o cigarro não te faz falta (...) em que momento insano você encheu o peito de tamanho atrevimento e tomou a irrefletida decisão de parar de fumar? Por que isso agora, Quim? Responda..."
Quim não responde. O narrador não dá pistas fáceis. Nada de importante em “O Diário da Casa Arruinada” se apresenta cristalino, tudo parece oculto sob uma espessa cortina (como se Quim, tendo largado o cigarro, não conseguisse se livrar da fumaça que embaça a visão do que se passa na sua casa, na sua vida).
Mas o questionamento sobre o cigarro indica que o abandono do hábito que sequer o aflige pode ser só uma desculpa para escrever. E a retomada do sonho juvenil não parece ter qualquer relação com prazer, o que, aliás, é um dos eixos do livro.
“Um dos eixos é a questão da literatura como uma coisa que atormenta o cidadão, a escrita que atormenta em vez de satisfazer”, diz Feijó.
O protagonista revela uma suposta crise no casamento com Madalena. O ardor, aparentemente, deu lugar à tepidez. Porém, não há brigas, gritos, desabafos. É na ausência das palavras e em conversações e comportamentos contidos que se evidencia a fissura encontrada por Quim em sua bolha familiar (não há amigos, colegas ou parentes distantes na vida do rapaz; suas relações se resumem a Madalena, Selene, à empregada Irene, ao pai nunca presente e a um amigo imaginário, resquício do romance que nunca escreveu).
É no silêncio e nas expectativas frustradas de comunicação (nas conversações evitadas pelo pai e pela mulher, nas platitudes que saem das bocas contradizendo o que os olhos gritam) que a fina fissura evolui rapidamente para uma rachadura. Onde há rachadura, haverá ruínas. É o que o diário parece gritar para Quim conforme a narrativa avança, numa prosa poética e refinada, especialidade de Feijó, que promove intertextualidade com Machado de Assis, Manuel Bandeira, Drummond, Homero e outros grandes escritores.
Por meio de um vocabulário rico, vasto mesmo no relato de situações comezinhas como fazer a barba ou ir ao parque com a filha, Feijó revela as descobertas de um personagem que parece, cada vez mais, que preferia ocultá-las. “A linha que me guiou é de um homem que não quer ver o que está diante de si, e precisa da escrita. Ele pensa numa escrita que vai revelar coisas que não consegue ver sozinho, ou não quer ver”, afirma.
Se o plano de Quim era usar a literatura para ver o que não conseguia ou não queria enxergar, o diário parece levá-lo sem caminho de volta. É como se os escritos tomassem vida própria, guiando Quim numa viagem para dentro de si, para aquele lugar recôndito onde as coisas são mostradas. Não há mais estrada para deixar tudo como estava. Tudo, absolutamente tudo, cada olhar enviesado ou resposta represada, parece encaminhá-lo para a confirmação de um segredo terrível, que o protagonista pressente embora jamais anuncie. Em “Diário da Casa Arruinada”, nada é anunciado, explicitado.
A sutileza é a mola mestra que guia o leitor para um destino cujo teor horripilante contrasta com a brandura do caminho. Se os personagens de Kafka, uma das referências literárias do autor, são surpreendentes porque agem com extrema racionalidade diante de absurdos inimagináveis, o Quim de Tiago Feijó surpreende porque entra num inferno da alma quase sem perceber como é que chegou lá.
Tiago Feijó, 34 anos, nasceu em Fortaleza (CE) e cresceu em Guaratinguetá. Formado em letras clássicas pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), lançou em 2015 seu livro de estreia, “Insolitudes” (contos). A obra lhe rendeu o Prêmio Ideal Clube de Literatura de 2014 (quando o livro ainda era inédito) e o Prêmio Bunkyo de livro do ano 2016. No dia 26 de outubro, o autor também ganhou o prêmio Sesc/DF de Contos Machados de Assis.
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