Ovos, escrachos, e a indiferença


A semana passada foi de lascar, cheia de acontecimentos trágicos que, fosse o Brasil uma nação desenvolvida, com um povo minimamente educado e consciente de sua cidadania, hoje as ruas estariam cheias de barricadas, com molotovs cuspindo um fogaréu glorioso, e a multidão, enfurecida, faria valer os seus direitos na marra.

Como, porém, somos uma república de bananas, o máximo que se vê de indignação contra a quadrilha que tomou de assalto o Palácio do Planalto e destrói, sem nenhuma piedade, o pouco de democracia que havia por aqui, é uma ou outra manifestação nas ruas, e muito blá-blá-blá - ou seja, nada que incomode os golpistas.


A exceção nessa semana aziaga foi a ovada que a deputada filha do ministro da Saúde recebeu como presente de casamento - em plena cerimônia, repleta de fausto, luxo e ostentação, na mais que simbólica Curitiba, capital que disputa com São Paulo a primazia de ser a vanguarda do conservadorismo - ou atraso, como queiram - deste Brasilzão velho de guerra.

Fora a chuva de proteína animal que abençoou o casamento da moça, típica representante da mais cruel oligarquia do planeta, merece também destaque, nessa semana de infortúnios, o escracho que alguns jovens fizeram defronte à mansão de 7 mil metros quadrados do prefeito paulistano, que reagiu ao ato com a típica bazófia dos covardes que não andam sem a proteção de bem vestidos jagunços.

No mais, a oposição ao bando de picaretas homiziados em Brasília segue frouxa, sem ímpeto, sem direção, e, pior, sem contaminar a massa, que continua indiferente a tudo o que ocorre na vida do país.

Aqui na pequenina Serra Negra, interior de São Paulo, uma multidão enchia as ruas centrais, os bares, restaurante e hotéis, no fim de semana, agindo como se tudo estivesse absolutamente normal, e o seu futuro como assalariados já não tivesse sido irremediavelmente comprometido com a destruição da CLT.

Serra Negra, é bom esclarecer, vive essencialmente do turismo - a sua rua principal é um enorme shopping center ao ar livre, com centenas de lojas de roupas, comidas, artesanato e decoração. 

No fim da tarde de domingo, na praça João Zelante, no coração da cidade, casais dançavam em frente ao palco-coreto e outras dezenas de pessoas apreciavam a apresentação do grupo Amigos do Samba. 

Numa das cadeiras de plástico branco da plateia sentava-se uma senhora, minha vizinha, viúva, que se mudou para a cidade há alguns anos, para ficar perto da filha e fugir da carestia e atropelo da capital. Dia desses ela contou que no começo do ano teve de fazer um procedimento cirúrgico no coração.

- Fiz pelo SUS, foi ótimo - disse.

Ao vê-la balançando o corpo no ritmo do samba que a rapaziada caprichava no palco-coreto, fiquei pensando se passou pela sua cabeça que, em breve, não só a saúde, como a educação, deixará de ser um direito para todos - ela, inclusive.

Provavelmente, não.

Afinal, ela é uma típica brasileira de classe média.

Portanto, que venham mais ovadas e escrachos públicos, na falta de coisa mais contundente, contra esses ladrões de sonhos e esperanças - já que esse parece ser, pelo que se vê, o limite da resistência do povo brasileiro aos golpistas. 

Melhor isso do que nada. (Carlos Motta)  

Comentários

  1. Tá certo Motta. Desempregado, velho, doente e desarmado,decidi, confesso, recentemente, enfrentar a repressão como nos tempos da ditadura.Ir pra rua, tomar cacetada, gas lacrimogênio e tiro da Pm. Chega de papo. Hora de agir.

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