A pequena, religiosa e conservadora Serra Negra, interior de São Paulo, onde moro, tem apenas duas casas lotéricas no Centro.
Uma delas está sempre cheia, muitas vezes com fila na calçada, prova de que as pessoas acreditam que a vida delas pode mudar num instante, não importa o quanto humildes, pobres e desesperadas elas sejam.
Gente de todo o tipo vai fazer a sua fezinha: até os que são vistos como bem-sucedidos aguardam com paciência a sua hora de entregar à moça do outro lado do vidro o seu volante da Mega-Sena, o jogo mais comum e generoso, ou mesmo da Lotofácil, de prêmio inferior, mas de maior probabilidade de acerto.
Outro dia vi um velho conhecido bem no meio da fila.
Ele parecia mais cansado, mais acabado, dava até para perceber algumas olheiras em seu rosto de traços fortes e duros.
Seu cabelo, antes vasto e negríssimo, já se mostrava grisalho, com os primeiros sinais de calvície.
Estava também mais magro, um pouco curvado - nem parecia ter os quase 2 metros de altura que o destacavam em qualquer lugar onde estivesse.
Vestia uma roupa bem mais simples das de antigamente - ele sempre foi o típico classe média, cheio de preocupações com o julgamento que os outros faziam dele.
Foi uma visão rápida, mas suficiente para que de imediato viesse à minha cabeça um paralelo entre esse meu velho conhecido e o Brasil de hoje.
Os dois, pensei, se encontram na iminência de decidir o seu destino, aguardam na fila o bilhete de loteria que pode mudar completamente a sua situação.
São três situações: o bilhete premiado, que levará ao Executivo central um novo presidente da República eleito pelo voto popular, soberano, numa eleição da qual participem todas as forças políticas; o bilhete que passa longe do prêmio, ou seja, que manterá o país nas mãos dos golpistas, interditando a democracia; e o bilhete que dá um prêmio menor, uma eleição presidencial sem a participação da mais expressiva liderança política do país, o ex-presidente Lula.
Metros adiante da casa lotérica, virei a cabeça para dar uma última olhada no meu velho conhecido.
Não estava mais na fila, tinha sumido.
Fiquei na dúvida se o forte sol invernal que iluminava aquela tarde fria não havia ofuscado os meus olhos e eu, na verdade, tivesse confundido esse velho conhecido com outra pessoa qualquer - um brasileiro qualquer.
Talvez, refleti mais tarde, tivesse visto o Brasil inteiro, uma triste figura, naquela fila à espera da sorte grande. (Carlos Motta)
Já tô começando a desconfiar, que o Brasil foi sequestrado. Provavelmente os sequestradores vão ligar pra Portugal(pai do Brasil), pedindo o resgate:"ou libera a grana, ou o moleque vai continuar no cativeiro".
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