A propósito do artiguete "A imprensa e a tragédia", o blog recebeu interessante texto de Fabiano Formiga, "egresso (aposentado) de uma profissão 'jurídica'", como se intitula.
Ele aborda a linguagem do direito, tão peculiar.
Vamos a ele:
Artigo muito estimulante, assim, fiquei refletindo numa outra profissão, que tem em comum com o jornalismo o substrato da sua atividade: a linguagem.
Esta outra profissão é a do advogado, que, sob este prisma da linguagem, não difere em nada do papel do juiz, do delegado de polícia ou do Ministério Público.
Uma diferença marcante entre as duas profissões está em que a faculdade de jornalismo não gera uma linguagem própria, nem a impõe aos jornalistas. Basta comparar os estilos de Jânio de Freitas e de Élio Gaspari, digo a sua forma, sua expressão, não o conteúdo.
No mundo do Direito, o profissional necessita usar certa linguagem, para ser lido e reconhecido como tal. Isso conduz a uma mimésis, um arremedo difuso, todos copiando expressões, tiques, bordões, uns dos outros. Os exemplos não teriam fim: a expressão 'em sede de', nada vernácula, usada pleonasticamente, ao invés de uma simples preposição (em (sede de) mandado de segurança; em (sede de) liminar....). Recentemente, há alguns anos, foi abolida a preposição contra, substituída pela locução 'em desfavor de', ou, 'em face de', para designar o antagonismo das partes no processo. Em nenhum desses exemplos, se sabe quem, que autor, que autoridade seria a fonte.
Não se trata, entretanto, de gramática ou de estilo ou de usos da língua....trata-se de uma linguagem que serve de envoltório para qualquer asneira, tanto como para algum pensamento digno do nome. Os exemplos são cotidianos, mas um paradigma dessa ambiguidade é a condenação de um morador de rua, por estar trazendo consigo dois tubos de desinfetante, tidos como explosivos; a interdição do Instituto Lula; a condenação de um homem que cortou de uma árvore alguns fragmentos para fazer um chá...
Na base da ambiguidade da linguagem usada pelos profissionais do Direito está, paradoxalmente, a crença em que o Direito, as leis, são escritas de modo unívoco, isto é, as palavras teriam apenas um único significado. Esta ilusão de uma linguagem unívoca no Direito enganou Montesquieu:
"Mais les juges de la nation ne sont, comme nous avons dit, que la bouche qui prononce les paroles de la loi ; des êtres inanimés, qui n’en peuvent modérer ni la force ni la rigueur." Mas os juízes da nação não são, como temos dito, senão a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não podem moderar nem a sua força nem seu vigor. (Esprit des Lois, Livre XI, Chap.VI)
A ideia de uma interpretação literal, de modo que resultasse sempre no mesmo conteúdo, é a um tempo, ilusão e ideologia. A igualdade e abstração das normas jurídicas repousaria no seu conteúdo - os valores - jamais nos seus enunciados, nunca nos seus significantes.
Assim, tamanha a largueza na interpretação das leis, não seria necessário que o Tribunal Federal de Porto Alegre considerasse excepcionais condutas processuais do juiz Moro. Repita-se, a dicção do Direito reside na ponderação dos valores inscritos nas normas, ou, como foi escrito no Digesto: saber leis não é decorar suas palavras, mas extrair sua força e vigor.
"Scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac postestatem."
Sob a aparência (nem sempre) de cumprir leis, os ditos profissionais do Direito aplicam seus valores (de sua classe social), de regra, com inúmeros vetores, como tem sido analisada neste blog a atuação de Moro.
Bem, não é conveniente me estender mais, senão isso viraria um tratado, coisa que não me disponho a fazer. Os textos em francês e em latim servem para dar autenticidade ao meu escrito, nunca para demonstrar cultura (livresca?).
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