Crônica publicada originalmente em 15 de março de 2010 no blog "Crônicas do Motta" e que faz parte do e-book "Pais Calmoso e Hereditário"
Carlos Motta
O Estadão estreou domingo mais uma reforma gráfica.
Nos 18 anos em que trabalhei lá, acho que vi o jornal mudar de visual umas dez vezes, a maioria delas detalhes cosméticos, que nenhum leitor comum iria perceber se não fosse avisado. Na redação a gente até brincava com aquilo:
– Desta vez vão tirar ou colocar os fios? – perguntávamos.
Nas últimas vezes, as alterações foram mais profundas. A primeira para valer foi feita por um cubano radicado em Miami, que tinha como auxiliar um rapaz chamado Jeff, que ficava uns meses no jornal, depois sumia, depois voltava, depois sumia... Até que sumiu de vez.
Naquela ocasião, a reforma foi anunciada com toda pompa possível. O tal cubano deu uma palestra para toda a redação no auditório do jornal. Na primeira fileira estavam Júlio Neto e seu filho Julinho.
O especialista mostrou uma série de transparências com as capas dos jornais que havia recauchutado por este mundo afora. Na maioria, publicações do interior dos Estados Unidos. A diagramação era sempre a mesma: uma fotona no meio, as matérias em volta. Algo que era conhecido no Brasil pelo menos desde o fim da década de 50.
Mas o sujeito sabia fazer o seu marketing. Mostrou uma série de capas do Estadão, que entrara poucos anos antes na cor. E não é que o cubano desancou o jornal?
– Isso é uma verdadeira salada de frutas, um visual digno de Carmen Miranda – esculhambou, sob o olhar atento e sério da família Mesquita.
Claro que a sua revolução gráfica durou apenas o tempo suficiente para que algum outro diretor de redação aparecesse por lá e resolvesse que o visual do jornal era a causa principal da queda da tiragem, da publicidade em baixa e de todas as mazelas que têm acometido o diário paulistano nesses últimos tempos.
E mais uma reforma foi feita, e mais outra, e assim por diante. A justificativa era sempre a de que o provecto matutino era considerado por seus leitores como “muito pesado”, ao passo que seu concorrente, a Folha, sempre levava a vantagem de ser “mais leve”, mais “fácil de ler”.
O que a gente não entendia era a lógica da coisa: por que o leitor do Estadão, acostumado a vida toda a enfrentar aquela leitura ciclópica iria gostar que a publicação fosse igual à Folha, com suas matérias curtinhas e sem conteúdo? Ora, se o leitor apreciasse um jornal como a Folha, que comprasse a Folha e não o Estadão, pensávamos.
O fato é que as mudanças aconteciam e a gente apenas se acostumava a elas. No fundo sabíamos que eram todas rematadas bobagens: fotos maiores, gráficos mais coloridos, penduricalhos de todos os tipos, serviam apenas para jogar uma areia nos olhos do leitor. O conteúdo de um jornal é o que importa – e ele nunca foi alterado no Estadão.
Essa reforma revelada no domingo segue a lógica das outras. Nada mais é do que um jogo de cena, uma imposição de mercado, o faz-de-conta que tudo vai bem nesse setor empresarial de futuro incerto. A Folha fará o mesmo em breve, o Globo idem.
É a lógica do Príncipe de Salina, o protagonista do imortal romance de Tomaso di Lampedusa, “O Leopardo”: “As coisas precisam mudar para que continuem as mesmas.”
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