Os jornalistas e o irresistível charme do jabá


Jabá e jornalismo andam juntos desde quando os dinossauros mandavam neste planeta.

Jabá, para quem não sabe, é aquele presente "despretensioso" que as empresas mandam para os amigos da imprensa - às vezes é uma bobagem, uma lembrancinha; às vezes custa mais que o salário do mês...

As empresas tentam, ou pelo menos, dizem tentar, estabelecer limites para a aceitação dos jabás, mas isso nunca deu certo - o jabá sempre se provou irresistível.

Destrinchar todas as nuances do jabá exigiria um esforço hercúleo, que não disponho.

Mas é um tema fascinante e sobre o qual, tenho certeza, alguém ainda fará longas e detalhadas dissertações.

Quanto a mim, confesso, já aceitei vários jabás: canetas, agendas, bobagens desse tipo.

Outros, como um par de tênis vermelho com o logo Ferrari estampado, e uma camiseta de polo Lacoste, dei de presente para os contínuos da redação.

Antes desses, aconteceu comigo um outro caso, bem mais explícito sobre as relações entre imprensa e sociedade. 

Foi num jornal em que trabalhei em Campinas. Havia acabado de ser contratado para tocar a minúscula redação, a pessoa que fazia a "coluna social" estava de férias, e lé fui eu, com a ajuda do fotógrafo, fechar a dita cuja. Edição publicada, numa tarde modorrenta de segunda-feira surge na redação, à minha procura, um office boy, com um envelope na mão:

- A dona .... pediu para entregar isso para o senhor e agradecer pela nota que saiu na coluna social.

Abri o envelope: era um maço de dinheiro, que devolvi ao rapaz, explicando, educadamente, que devolvesse o "presente" com a explicação, para a autora da generosa oferta, de que o jornal não cobrava para publicar notícias.

Não sei se o dinheiro foi devolvido ou não. Preferi fazer de conta que o caso estava encerrado.

O poder do jabá é contagiante.

Ao ponto de arrastar dezenas de profissionais para aqueles entediantes almoços de fim de ano que as associações de classe ofereciam, principalmente quando se sabe que quem se dispusesse a comer o indefectível "filé à jornalista" (mignon, legumes na manteiga e arroz branco) ganhava como compensação pela inevitável azia que o acepipe provocava, um "gadget" eletrônico.

Certa tarde, ao chegar à minha mesa, noto que estava praticamente sozinho na editoria. Estranho, penso. E pergunto ao único repórter presente:

- Mas onde está todo mundo?

- No almoço da Eletros [a associação nacional de fabricantes de produtos eletrônicos]...

Uma hora, uma hora e meia depois, o bando adentrava a redação, numa algazarra que não deixava nenhuma dúvida de que o jabá, mais uma vez, tinha exercido toda a sua mágica.

Há, ainda, um outro tipo de jabá, em que os papéis se invertem: é o jornalista que procura a empresa em busca de um "favor".

Um exemplo real: a repórter bateu o carro, que iria ficar mais de um mês na oficina. A solução para o seu problema? Pedir para uma montadora emprestar um veículo, providência tomada por meio de um mero telefonema à assessoria de imprensa da empresa.

Nos últimos anos em que trabalhei em redação a oferta de jabás havia diminuído drasticamente. 

Um mistério.

O jabá talvez tivesse esgotado o seu poder de cooptação, por ter se tornado extremamente corriqueiro.

Ou talvez as empresas tenham percebido que os jornalistas haviam se rebaixado tanto, ética e moralmente, que nem jabá mais mereciam.

(Carlos Motta)

Comentários

  1. Putz, quando lançaram o Monza, trabalhava numa empresa que era especialista em house organ e prestava-mos serviço para a GM, fiquei um mês com um desses de graça. Certa vez viajei de graça num helicóptero da Pirelli entre Santo André até perto da Falha, onde trabalhava!
    Reconheço, foi uma falha!

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