O pessoal que trabalhou no Estadão lá pelos anos 80 e 90 certamente se lembra de um contínuo que fazia mais serviços externos que internos, o Hélio Louco, morto em um acidente de carro. Era um grandalhão que usava um blusão de couro, sempre pronto a tirar sarro dos "petistas", que é como se referia a todo aquele que não gostava do seu maior ídolo político - e de vida -, um senhor chamado Paulo Maluf.
O Hélio Louco era mais malufista que qualquer um dos taxistas que, em determinada época, compunham a esquadra volante dos cabos eleitorais do referido senhor pela metrópole. A devoção do Hélio Louco por Maluf era algo de se ver. Claro que nós não perdíamos nenhuma oportunidade para provocá-lo, mesmo sabendo que haveria o troco.
Geralmente ele vinha quando grupos de estudantes visitavam a redação, levados por um simpático recepcionista de quem não lembro mais o nome. Os escolares iam, em fila indiana, passando pelos corredores formados por nossas mesas, curiosos a observar o nosso trabalho. Quando o Hélio Louco, para azar nosso, se achava presente, não aliviava para o nosso lado - chamava a atenção da estudantada e dizia alto, para todos ouvirem:
- Atenção, não deem comida para os animais.
E soltava uma sonora gargalhada.
Certo dia perguntei aos colegas mais antigos de casa se havia uma razão especial para que o Hélio Louco gostasse tanto de Maluf. Havia, disseram. E me contaram uma história que foi, posteriormente, confirmada pelo próprio Hélio: segundo ele, sua filha estava viva graças a Maluf.
Conforme relatou, ela estava muito doente quando o então governador e comitiva visitaram o bairro onde morava. Ele tomou coragem e foi implorar ajuda a Maluf. Chegou a ajoelhar diante dele. Maluf o ouviu e imediatamente mandou seus assessores levarem a menina para um hospital. E ela se salvou.
Depois disso, para o Hélio Louco só havia Deus no Céu e Maluf na Terra.
Passados tantos anos da confissão do Hélio Louco fico imaginando quantas pessoas humildes como ele, por um motivo ou outro, passaram parte de suas vidas pagando um favor feito por um político, arranjando votos de amigos e familiares, distribuindo santinhos, batendo de porta em porta na vizinhança fazendo propaganda do "doutor", gastando a sola do sapato para agradar o chefe.
No caso do Hélio Louco calhou de ser Maluf o seu "salvador", o Maluf que fez carreira politica adulando os militares, cumprindo todas as suas ordens ao mesmo tempo em que ia desenvolvendo essa faceta populista e demagógica que tanto impressionava a população desassistida por um Estado cruel e ausente para os pobres, mas afável e muito presente para os ricos.
O tempo passou, o Brasil mudou, Maluf é hoje, para muitos, apenas uma lembrança de mais um político que fez da vida pública um balcão de negócios.
Seu modus operandi, porém, não só continua vivo, mas é aperfeiçoado a cada instante por seus herdeiros, aqueles que fazem do verbo malufar ("o supra-sumo da Lei de Gérson aplicado à gestão pública; neologismo que significa esperteza, no pior sentido, a malandragem mais descarada, a roubalheira associada ao empreendedorismo do político; o salvo-conduto para a safadeza", segundo o Dicionário Informal da Língua Portuguesa) a razão de suas vidas.
Estas eleições municipais estão repletas de candidatos a Maluf. Eles estão em todas as cidades, dissimulada ou abertamente disputando os votos dos inúmeros Hélios Loucos que existem.
Na maior cidade do país, São Paulo, Maluf claramente inspira dois candidatos, um, rico e esnobe, o perfeito almofadinha, o outro igualmente rico e esnobe, mas que se disfarça em defensor dos ingênuos consumidores brasileiros.
Cada qual, a seu jeito, adota o malufismo em sua conduta, discursando para a parcela do eleitorado que acha que basta que seus problemas particulares sejam resolvidos para que o mundo fique melhor.
O mundo, porém, só vai melhorar se essa visão egoística e imediatista não prevalecer, se a ela se sobrepor aquela que dá prioridade ao bem-estar coletivo, à redução das desigualdades e das injustiças.
Maluf esteve reinando em São Paulo por décadas.
São Paulo mudou.
Para pior. (Carlos Motta)
Na maior cidade do país, São Paulo, Maluf claramente inspira dois candidatos, um, rico e esnobe, o perfeito almofadinha, o outro igualmente rico e esnobe, mas que se disfarça em defensor dos ingênuos consumidores brasileiros.
Cada qual, a seu jeito, adota o malufismo em sua conduta, discursando para a parcela do eleitorado que acha que basta que seus problemas particulares sejam resolvidos para que o mundo fique melhor.
O mundo, porém, só vai melhorar se essa visão egoística e imediatista não prevalecer, se a ela se sobrepor aquela que dá prioridade ao bem-estar coletivo, à redução das desigualdades e das injustiças.
Maluf esteve reinando em São Paulo por décadas.
São Paulo mudou.
Para pior. (Carlos Motta)
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