Comecei a trabalhar em jornal aos 16 anos de idade, quando ainda cursava o antigo Colegial do Instituto de Educação Experimental Jundiaí. Meu primeiro emprego foi no Jornal da Cidade. Produzia uma página de variedades nas férias do titular, o saudoso e incomparável Ademir Fernandes.
Acumulei com a revisão noturna. Era uma rotina estafante: saía do Instituto por volta das 11 da noite, ia ao jornal, ficava lá até pelas 5 da madrugada, dormia até a hora do almoço, corria para o jornal, voltava para casa no fim da tarde e, por fim, retornava para as aulas no Instituto.
Essa correria durou apenas três meses: saí do jornal quando o pedido de equiparação salarial com o revisor do dia foi recusado.
Logo em seguida fui chamado para trabalhar no Diário de Jundiaí, o irmão mais pobre do Jornal de Jundiaí, que ficava com as suas sobras: fotografias não usadas, clichês (a chapa de zinco com a imagem fotográfica invertida com a qual se imprimiam as imagens) velhos, notícias igualmente velhas...
Minha passagem no Diário de Jundiaí também foi curta – percebi que o jornal não duraria muito mais tempo e tratei de ir trabalhar como redator do diretor de publicidade do Jornal da Cidade, até ser convidado para ser repórter do Jornal de Jundiaí, o JJ.
E foi no JJ, onde fiquei vários anos, que descobri algumas das verdades da profissão, que guardo até hoje, já aposentado: não existe jornalismo imparcial, não existe verdade factual, não existe liberdade de imprensa – jornais são tão inverossímeis quanto Papai Noel, anjos, duendes, fadas ou deuses.
As ordens do dono do JJ para não dar essa ou aquela notícia que pudesse comprometer a imagem de anunciantes foram as mesmas que ouvi ao longo do tempo, no Jornal de Domingo, de Campinas, no Estadão, no Jornal da Tarde ou, mais recentemente, no Valor Econômico, publicações em que também trabalhei.
Em todas as redações, à exceção do Jundiaí Hoje, uma aventura que durou três anos e foi a mais excitante experiência que tive em jornalismo, as mesmas pressões, as mesmas “O.P.” – ordens do patrão...
E também a repetição das pautas encomendadas pela diretoria, das matérias que caíam misteriosamente, da mudança de enfoque.
O mesmo clima de insegurança e medo.
A autocensura, muito pior que a censura.
Os chefetes sem caráter.
Os puxa-sacos.
Foram mais de 40 anos em redações.
Alguma coisa aprendi.
Hoje, por exemplo, não leio mais jornal.
Passo os olhos pelas notícias nos portais da internet. Vou para os meus blogs favoritos. E constato que mais pessoas fazem como eu.
Mas sei que quem ainda lê jornais e revistas, miseravelmente acredita naquilo que está ali impresso.
Tenho pena desse sujeito.
Porque ele não sabe que aquilo que foi publicado é apenas a visão distorcida do que seria a seleção dos fatos mais relevantes do dia anterior.
E além de tudo, muito mal escrita.
(Carlos Motta)
(Publicado originalmente no blog Crônicas do Motta em 6/11/2014)
Quem diria, Motta - depois de 40 anos, você, 35 eu de redações, a gente ouve Raul Seixas e dá a mão à palmatória. "Eu não preciso dos jornais, mentir sozinho eu sou capaz..."
ResponderExcluirMotta, convivi por mais de um quarto de século com o que chamava de República de Jundiaí, razão pela qual não posso deixar de elogiá-lo pelo comentário sobre Ademir Fernandes, um senhor caráter naquele mar de puxassaquismo que era a redação da rua Major Quedinho e, depois, da foz do córrego do Limão no Tietê. Certa feita, ele esclareceu-me sobre um ainda repórter: "Cuidado, ele decora os editoriais; tem futuro". Não deu outra, o repórter de sobrenome Apupo ou coisa que o valha, virou substituto do tio de W.Waack, quando o conteúdo dos editoriais transbordou para o noticiário e o reportariado seguiu o exemplo daquele colega que deu nome à avenida do córrego do Limão, em recompensa ao fato de ter sido setorista "exemplar" do Doi-Codi/Deops... Oriundo do NE paulista, aprendi a linotipar os textos de última hora para não atrasar o fechamento, razão pela qual - brincava comigo Ademir - sobrevivi ao chumbo da ditadura mas capitulei ante o primado da extrema-direita ou neoliberalismo no jornalismo. Muito tempo depois, o dono do império (para quem trabalhei como editorialista, depois da masmorra política, e em seguida como repórter) mandou chamar-me para dizer que eu estava certo ao despedir-me dele e de seus filhos, quando alertei sobre o transbordamento editorial preceder o fim da credibilidade do leitorado. De 1,5 milhão de exemplares diários, o jornalão havia despencado para menos de 200 mil exemplares que ainda por cima encalhavam, o mesmo se aplicando ao que havia sido o melhor vespertino da AL e então agonizava. Agora, prestes a completar meio século de profissão, assisto ao fim do republicanismo nacional (o jundiaiense, que lotaria três ônibus nos tempos áureos, deve estar cabendo numa perua...) e, como você, não leio mais jornal, mas sei que este funciona como uma espécie de crônica do santo ofício medieval, respaldando as novas ordenações do reino, hoje estadunidense, outrora lusitano, que nos governam. Nada temo, pois Temer é nossa ruína, mas pressinto dias difíceis pela frente, assim que a massa dos sessenta milhões de beneficiários dos programas redutores de desigualdades de Lula/Dilma descobrir-se "subtraída em tenebrosas transações". Antes disso, antes do "estandarte do sanatório geral" passar, entretanto, um jornalismo de resistência sem papel vai ter de ensiná-la a cantar o "Vai Passar" com que Chico Buarque, em nosso nome, combateu essa mesma Idade Média que nos assola outra vez.
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