Ver as pessoas serem arrastadas para fora dos estádios nesta Olimpíada por policiais burros, ignorantes e truculentos, por expressarem seu repúdio ao atual governo brasileiro, me fez lembrar de uma manhã de uma sexta-feira de setembro do longínquo ano de 1971 - tinha eu 17 anos... -, quando, no Ginásio Municipal Dr. Nicolino de Lucca, o Bolão, em Jundiaí, fui testemunha de algo que me marca até hoje.
Apesar da pouca idade era repórter do "Diário de Jundiaí" e havia sido escalado para cobrir o ponto alto da visita do ditador de plantão, o general Médici, à cidade: ele seria a estrela da formatura da primeira turma do Mobral - para quem não sabe, o Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado pelos militares para acabar com o analfabetismo no país.
O problema era que eu não tinha a credencial necessária para entrar no Bolão, muito menos para ficar junto com a imprensa, não sei lá por que motivo.
Mesmo assim, no alto de minha arrogância juvenil, lá fui eu.
Tentei uma entrada lateral do ginásio, mas assim que me preparava para cruzar a porta, fui abordado por uns soldados.
Mostrei minha carteirinha do jornal, expliquei que estava sem a credencial, ameaçaram me prender, mas por pura sorte consegui entrar porque um dos responsáveis pela organização do evento era o cronista social do jornal, o hoje secretário de Educação paulista, o desembargador aposentado José Renato Nalini, que, não me lembro bem, ou passava pelo local naquele momento, ou pedi para chamarem a fim de me socorrer.
O fato é que consegui entrar no Bolão e ficar no espaço reservado à imprensa na quadra do ginásio, um cercadinho a uns bons metros de onde o ditador faria o seu inevitável discurso sobre como o Brasil melhorara depois da "revolução".
Essa parte correu como o esperado.
Ele falou por uns minutos, deu um diploma para um dos alunos, cortou um pedaço do enorme bolo que prepararam para a festa e todos nós ouvimos a dupla Dom e Ravel cantar a música "Você Também é Responsável", que se tornou o hino do Mobral ("Você também é responsável/Então me ensine a escrever/Eu tenho a minha mão domável/Eu sinto a sede do saber").
O que eu não esperava - e essa cena volta e meia me aparece como um pesadelo - foi ver como estavam postados os soldados que faziam a segurança do ditador: em toda a volta do ginásio, circular (por isso chamado de Bolão), no piso da arquibancada, virados para a plateia, umas 5 mil pessoas, com os fuzis e submetralhadoras nas mãos, olhos fixos no povaréu, como se eles fossem prisioneiros.
Acho que foi a partir desse momento que percebi o que é uma ditadura: algo feito para controlar as pessoas enquanto dá a elas a impressão de que quem os controla é no máximo um bom velhinho.
Como o general Médici, torcedor fanático de futebol.
Como o Dr. Mesóclise, pau-mandado da elite mais reacionária e cruel do planeta.
P.S.: o fac-símile acima é de matéria do "Jornal do Brasil". O "Diário de Jundiaí" não existe há décadas, e o repórter que esteve a poucos metros do ditador naquela sexta-feira, 10 de setembro de 1971, hoje se limita a observar o mundo, sem nem sequer tentar entender porque as pessoas insistem em torná-lo um lugar infeliz.
(Carlos Motta)
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